quarta-feira, 6 de maio de 2009

Primavera


"Finalmente, na segunda-feira de Pascoela, já à noitinha, o nevoeiro dissipou-se, as nuvens diluíram-se em flocos brancos e o bom tempo chegou finalmente. No dia seguinte pela manhã, um sol resplandecente acabou de derreter a fina camada de gelo que se formara durante a noite e o ar morno impregnou-se dos vapores que subiam da terra. A erva velha ganhou imediatamente tons verdes, a erva nova despontou no solo, os rebentos dos viburnos, das groselheiras, das bétulas encheram-se de seiva e sobre os ramos dos vimes, banhados em luz dourada, as abelhas, abandonando os seus quartéis de inverno, zumbiram alegremente. Invisíveis cotovias soltaram o seu canto por cima do veludo dos prados e das choupanas cobertas de gelo, os fradezinhos gemeram nas concavidades e nos pântanos submersos pelas chuvas torrenciais. Os grous e os gansos bravos vararam o céu com os seus guinchos primaveris. As vacas, cujo pelo irregular apresentava, aqui e ali, grandes peladas, mugiram nos pastos. Em volta das ovelhas balantes que começavam a perder o pêlo, os cabritos saltitavam, canhestros. Ao longo dos atalhos úmidos corriam os garotos, que deixavam no chão o desenho dos seus pés nus. Em torno dos tanques ouvia-se a algaraviada das mulheres dos mujiques reparando sebes e arados. A primavera chegara realmente." (Anna Kerenina - Leon Tolstoi)
Foto de Ana Labarrère

sábado, 2 de maio de 2009

Paz


"Quero esta espera contínua como o canto avermelhado da cigarra, pois tudo isso é a morte parada, é a Eternidade de trilhões de anos das estrelas e da Terra, é o cio sem desejo, os cães sem ladrar. É nessa hora que o bem e o mal não existem. É o perdão súbito, nós que nos alimentávamos com gosto secreto da punição. Agora é a indiferença de um perdão. Pois não há mais julgamento. Não é um perdão que tenha vindo depois de um julgamento. É a ausência de juiz e condenado." (Clarice Lispector - Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres)