sexta-feira, 18 de março de 2011

Delirium Tremens

Era um monólogo. Ela passeava pelos temas mais diversos, dando um enfoque no que havia de mais misterioso no amor, algo que ela traduzia em suas leituras poéticas e em seu piano, que exercitava nas noites em que eu estava presente. Era interessante permanecer por ali, horas e horas, em silêncio, até que me pego hipnotizado por sua boca.

Fiz um esforço absurdo para me desviar e pensar em algo diferente, mas via aqueles lábios em movimento, aquele abre e fecha, o som, a cor e também aquele movimento horizontalizado de um sorriso disfarçado. Passei a ouvi-la numa espécie de som reverberizado e com eco suave. Havia uma mixagem em minha mente. Era intenso o prazer ao ouvi-la dizer: "é uma ponte que nos liga em amizade ao movimento artístico, onde a poesia nos traduz em seu silêncio, que nos desenha um futuro de proximidade e fartura". Como isso era apaixonante! Por que isso? Éramos tão distantes! Para ela a minha figura era de mais um homem absurdo trivial.

Confesso! Não havia tomado sequer uma gotinha de álcool. Agora ela passava para o piano e iniciou um tema de blade runner, que eu tanto gostava, só para provocar o replicante que havia me tornado. Aquilo era um domínio... um demônio... eu desejava aquela escravização. Fechei os olhos para melhor perceber aquele som mas fui guiado para o interior do piano. Fiquei balançando naqueles martelos, batendo suavemente as notas que me vinham assim: bom, bem, lua, tua... Tua?????

Vendo meus olhos vidrados, disse-me algo assustador: "A mágica do olho, não a do olho-mágico, é a amplitude que se dá ao se transformar em verbo olhar. Esse olho carnal humano, frontal, é mais espetacular no que ele transforma de objeto-imagem em imagem-reflexiva. No seu caso, afetiva. Esta última, provavelmente, já não seja mais uma função do olho em si, porém atesta, confirma ou desvirtua, dando significado cognitivo à imagem. Muito me chama a atenção aquilo que o olho vê e não vemos. Ter um insigth de algo de maneira inesperada, com a imagem que se recorda e não se explica, como se alguém refletisse em nós aquilo que vê, além do controle que exercemos? Em todo caso...

Meu Deus!!! É uma feiticeira. Por quais caminhos ainda quer me levar? Pode-se escravizar um corpo mas uma mente já é demais. Vou-me embora. Já passa da hora. Beijo. Até amanhã.

Abro o olho quase agora e me recordo dela. Delirium Tremens.

J.H.R

Um comentário:

  1. Adorando os seus textos! A mágica... sempre a mágica. Como diz Gil, "mistério sempre há de pintar por aí..."

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