domingo, 27 de março de 2011

Para além de...


Tem um sentimento, depois do Amor, que se expressa em silêncio porque é mudo, do qual estarei envolto, para além da verdade, do sonho e desejo.

J.H.R




Foto: Joviano Alves

terça-feira, 22 de março de 2011

Na Infância...

Esse moleque aí na foto, no centro, sem dentes, é um tal José Humberto.

Nessa época entrávamos na escola aos sete anos. Muitas vezes sem ter passado por qualquer outra experiência parecida. Aos sete anos não sabíamos ler e nem escrever. Parece incrível pensar isso nos dias de hoje. Éramos tão inocentes e infantis que uma criança atualmente poderia nos parecer um adulto. Tínhamos muito pouco acesso à informação, a TV praticamente ficava o dia todo sem programas, quando muito um punhado de enlatados que hoje as crianças jamais perderiam tempo assistindo. À noite, nossos pais não nos deixavam à frente da TV. Invariavelmente às nove ou antes já estávamos dormindo.

Pensar e falar em coisas como sexo, violência, pedofilia e outras parece-me absurdo pensar nisso agora.

Pois bem, lá pelo ano em que essa foto foi tirada vivíamos em Brasília algumas epidemias, com várias campanhas de vacinação em massa. Afinal, em Brasília só tínhamos canteiros de obra e muita poeira, andarilhos, ciganos e trabalhadores da construção civil.

Então, certo dia, nessa mesma sala de aula da foto, estamos lá calmos e tranquilos com a nossa professorinha. Bateram à porta. Ao ser aberta, vem um recado da diretora da escola. Façam fila com as crianças pois elas vão tomar vacina.

Virei para o meu amigo e disse:

- Será que vacina é uma merenda boa?

- Sei não, nunca tomei, disse-me ele.

Fomos para a fila. Isso tudo mundo sabe. Os menores na frente e os maiores no final. Fila de meninos e meninas. Cada turma que se aprontava primeiro ia ficando na frente e as demais no final. Isso ocupou quase o pátio todo da escola.

Algo me deixou um pouco apreensivo. Porque a fila estava indo em direção à sala da diretora? Era a direção oposta à cantina. Comentei com o meu amigo e ele também estranhou.

Esse tal amigo, chamado Marco Aurélio, era o capeta em pessoa. Hoje em dia dariam o seguinte diagnóstico para ele: precoce, déficit de atenção, hiperativo, e não sei lá mais o quê.

O fato é que a fila andava muito lentamente, o que não era comum nos dias de merenda especial. As merendas comuns eram entregues na própria sala de aula. Fazíamos fila somente em casos raros. Devia ser algum método de socialização dos capetinhas.

Quando começamos a ficar bem próximos à sala da diretora, o dito Marco Aurélio deu um jeito de sair de fininho da fila e espiar o que ocorria na sala. Daí ouvimos um grito: "socorro! Socorro! Isso não é merenda coisa nenhuma!!!! Tem um cara lá que dá um tiro no braço e bate com o martelo na cabeça da gente!!!" Isso porque ele havia visto uma menina desmaiando ao tomar a vacina. Aquilo foi uma confusão dos infernos. A molecada abriu o berreiro, meninas desmaiando ecriança correndo para todos os lados. Fui encontrado entalado em um basculante do banheiro.

No outro dia, todo mundo meio amuado, febril e com o braço inchado.

Aquele mundo era tão pequeno, mas como éramos sinceros!!!

J.H.R

sexta-feira, 18 de março de 2011

Delirium Tremens

Era um monólogo. Ela passeava pelos temas mais diversos, dando um enfoque no que havia de mais misterioso no amor, algo que ela traduzia em suas leituras poéticas e em seu piano, que exercitava nas noites em que eu estava presente. Era interessante permanecer por ali, horas e horas, em silêncio, até que me pego hipnotizado por sua boca.

Fiz um esforço absurdo para me desviar e pensar em algo diferente, mas via aqueles lábios em movimento, aquele abre e fecha, o som, a cor e também aquele movimento horizontalizado de um sorriso disfarçado. Passei a ouvi-la numa espécie de som reverberizado e com eco suave. Havia uma mixagem em minha mente. Era intenso o prazer ao ouvi-la dizer: "é uma ponte que nos liga em amizade ao movimento artístico, onde a poesia nos traduz em seu silêncio, que nos desenha um futuro de proximidade e fartura". Como isso era apaixonante! Por que isso? Éramos tão distantes! Para ela a minha figura era de mais um homem absurdo trivial.

Confesso! Não havia tomado sequer uma gotinha de álcool. Agora ela passava para o piano e iniciou um tema de blade runner, que eu tanto gostava, só para provocar o replicante que havia me tornado. Aquilo era um domínio... um demônio... eu desejava aquela escravização. Fechei os olhos para melhor perceber aquele som mas fui guiado para o interior do piano. Fiquei balançando naqueles martelos, batendo suavemente as notas que me vinham assim: bom, bem, lua, tua... Tua?????

Vendo meus olhos vidrados, disse-me algo assustador: "A mágica do olho, não a do olho-mágico, é a amplitude que se dá ao se transformar em verbo olhar. Esse olho carnal humano, frontal, é mais espetacular no que ele transforma de objeto-imagem em imagem-reflexiva. No seu caso, afetiva. Esta última, provavelmente, já não seja mais uma função do olho em si, porém atesta, confirma ou desvirtua, dando significado cognitivo à imagem. Muito me chama a atenção aquilo que o olho vê e não vemos. Ter um insigth de algo de maneira inesperada, com a imagem que se recorda e não se explica, como se alguém refletisse em nós aquilo que vê, além do controle que exercemos? Em todo caso...

Meu Deus!!! É uma feiticeira. Por quais caminhos ainda quer me levar? Pode-se escravizar um corpo mas uma mente já é demais. Vou-me embora. Já passa da hora. Beijo. Até amanhã.

Abro o olho quase agora e me recordo dela. Delirium Tremens.

J.H.R

quarta-feira, 16 de março de 2011

Às vezes é melhor só pensar...

Quando atender ao telefone já será tarde. Tudo bem que esteja aí se vingando nos braços de outro. Coisa mais doce e saudável que é um amor acabar. Você bem sabe que não lamento nada, mas estava ligando para tirar algumas dúvidas. Será que fiz isso ou aquilo mesmo? E você, realmente fez tudo aquilo? Às vezes ia dormir com a impressão que vinha de uma guerra, de uma necessidade de um vencer o outro. Sempre achei que era uma espécie de problema a ser resolvido. Realmente a metáfora do cabide e do cabideiro se aplica ao nosso caso, não existe cabide dependurado no ar e vice-versa. Essa é que é a real simbiose, uma total dependência emocional que indica a morte próxima. Morre-se minguando... Será verdade mesmo que a gente se acostuma inclusive com o que é ruim? São os mistérios que envolvem a memória e o controle do prazer. Disse acima que não lamentava nada, abro agora uma exceção: ver as músicas maculadas dessas lembranças. Músicas, desculpe-me por esse meu lado sinestésico. Pensando melhor, obrigado por não atender. Nunca sei o que dizer...

J.H.R

sábado, 12 de março de 2011

Carta virtual para a amiga Nancy e a sua resposta...

Brasília/São Paulo ou no meio do caminho. 12 de março de 2011.

Minha querida amiga Nancy,

Por mais uma vez estou em uma cena real provocada pelo sono. Caminho por ruas escuras em busca de um local onde seria ministrada uma palestra. Tão importante que somente uma pessoa poderia falar e somente uma a ouvir. Ao entrar por aquele galpão amplamente iluminado, de luz desconhecida, me deparo contigo em um púlpito. Abaixo apenas uma cadeira, a qual me sento. Ao sentar-me me vem à mente a palavra: réu!

Sem me cumprimentar, você inicia o discurso. Breve, porém direto. Acusa-me. Obriga-me. Condena-me a proferir uma palavra. Tal palavra deveria ser a tradução perfeita para um mundo sem o mal, vilão, dor, dúvida, doença, descrença, medo, angústia, loucura, ódio, pecado; com a perpetuação de uma felicidade sem altos e nem baixos por uma infinidade que a mente sequer supõe. Respirei fundo e pronunciei. Tal foi o impacto que você desmaiou. Para minha surpresa, um corpo etéreo levitou dentro do seu corpo original, segurou em minha mão e disse: criança.

Estou aqui por horas e horas fazendo o possível e o impossível para lembrar-me a palavra que foi dita por mim, mas acredito que só você poderá desvendá-la.

Assim, nesse minuto que estou em vigília, te convido para um novo encontro. Sim! Lá! Você bem sabe. Use a capa que quiser usar, pois sei que virá novamente de dentro de si. Estarei lá para lhe dar a mão. Continuo. Réu!

Fraternalmente, do seu amigo JH.

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Lugares e não lugares ou no meio do caminho. 12 de março de 2011.

Querido amigo, poetapensador JH

Teu sonho é a reinvenção de todas as tuas películas, do que tece tua alma.

Existe a leitura além do compreender-te nesse cenário, existe a palavra libertária.

A palavra que esgota o ‘’demasiadamente humano’’ que ocupa um corpo.

Porque o verbo te consome muito mais que o tempo da ação verbal, muito mais que todas as propostas da vida, o verbo te devora, mas a palavra é intrínseca.

Embora não caiba no pensamento, a palavra é tangível.

Essa fustigante busca ao ‘’inominável’’ já me rendeu noites de insônia...

Essa palavra que abre todas as outras palavras e revela-te um caminhar mais fulgente encerrando tuas vigílias, escapa-me a todo instante pelos poros por onde respira-se a poesia contida nos teus aforismos.

E bem sabes que logo ali na frente sou eu quem permaneço imóvel e réu.

Assim sendo, toda sentença que eu proferir, vã e filosoficamente, torna-se inópia, mísera e pálida diante dos teus anseios...

Posso por hora, apenas recomendar-te cautela nessa cobiça...

Essa palavra tão definitiva não pode ser inocentada pela beleza plástica, nem por conduzir-nos a uma plácida encenação de paz.

Essa palavra inteira que supre toda a felicidade, massacra o mistério que nos sustenta.

Ora, caro amigo foi da tua boca que ouvi tantas vezes que :

‘’O mistério só existe porque não cabe na individualidade’’.

Assim, compartilho dessa tua angústia enviando-te um placebo, um fio de letras miúdas para que possa montar em mosaicos essa tua voraz capacidade de sentir muito e compreender pouco...

Na cumplicidade de nossa amizade,

Ntakeshi.