segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Porção

Romã trincada em rosa exposto
Pé no chão em mato molhado
Leite em rosa pingado nos olhos
Restos de casulo comprovando o voo.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Os Dias.

Batem longe os sinos daquelas igrejas. Vão longe aqueles dias de sorriso e leite. Vivo uma osteoporose nesses dias de hoje. Sim, a vida é fraca. Logo mudaremos de lá e lar. A vontade permanece.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Desesperança

Queria entender de pele
Nada de ossos
Queria um som fino aveludado
Nada de destroços
A sexta vogal do cântico dos pórticos
Nada de lógicos
Queria uma ponta de língua em lábio beijado
Nada de dentes cerrados
Queria ser lançado em pólvora 
Explodir com a hora
Colorindo esse resto de dia
Com brilhos de olhos
Queria sim...
Mas não posso.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

, ... :

Estava engasgado. Um fôlego curto. Várias tentativas de comunicação com o vermelho profundo. Iniciei com poucos degraus. Pronunciei a primeira palavra e não teve eco. Quase me desencontro. União invisível de força que subiu, quase em vômito, e puxou a língua e saiu: "EU ME PERDOO".

sábado, 22 de outubro de 2011

Pele de Neve

Dois pares de olhos 
Essência jasmim
Cubos de gelo em limão e malte
Fios de ouro além do ombro
Frio róseo em nuvem
Palmeiras dançando
Um perfil de estátua em cor de alma
Cheiro de infância
Relance de castanhos no fundo daqueles verdes
Fluem imagens
Imaginamos silêncios
Que dormimos no sempre...

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Bisbilhotando a mente...


O pensamento é a liberdade última de nós, seres sozinhos. Às vezes estamos rodeados de gente e também de barulho, quando nos damos conta de que a algazarra maior vem de dentro. Podemos ter tudo, todos os sonhos, todas as maravilhas que supostamente o mundo pode nos dar. Não importa. Estaremos sozinhos na mente.

Muitas vezes me dou conta desse absurdo de que tenhamos de nos bastar. Não seria nada mal ter um de reserva. Aquele que assume e nos dá um descanso. Não importa o risco, mas somente o alívio. Passam-se anos sendo o que se é. Toda a filosofia, todos os evangelhos e demais livros sagrados vem pregando para se conhecer, vir a ser o que se é etc., mas o dispositivo que nos livra de nós mesmos ainda não veio. Você que está lendo deve estar pensando: “que ridículo!”. Tudo bem, você sabe de si aí dentro. Agüente!

Esse poder reflexivo do humano que toda a psicologia já estudou e vem estudando parece se resumir todos os dias e, para a vida inteira, como ser feliz e suportar os traumas e os desenganos. Existe de tudo: relaxamento, yoga, alongamento e até um porre de vez em quando. O fato é que, em última instância, deve-se aguardar o dia derradeiro e ir enganando o que se passa por dentro.

Às vezes uma música toca e desperta em você uma tristeza imensa. De outro modo, morde-se uma fatia de pão e tudo flui em prazer e uma lembrança incerta de alegria e felicidade. Aprendemos desde cedo a sermos seres feitos de planejamento. Planeja-se tudo. Vivemos de um plano. Algo que sempre vai vir e que parece que nunca chega. É um consenso que trazemos no código a impossibilidade de satisfação última, como único meio de garantirmos a evolução e progresso. É absurdo demais. Além disso, é preciso evoluir em sabedoria e moralidade.

Vira e mexe essas coisas me vem à mente. Passo dias com esse “x” esperneando dentro de mim. Todo mundo deve se lembrar daquele trecho da música: “quero carneiros e cabras pastando solenes no meu jardim...”. Por que não? Eu quero a mente intensa, mas não quero estar rodeado de compromissos e coisas. Sempre tem alguém que vem lhe dizer: “você foge da vida e de encarar o mundo”. Mais do que nunca entendo o conceito de rebanho. Qual é o problema de ficar fazendo o seu béeeeeeeee sozinho? No final das contas é você quem vai dormir contigo todos os dias. É ali que a enxurrada vem te pegar, que custo a acreditar que a gente caiba num corpo tão restrito. Ah sim, castigo! Deve-se também aprender a tirar prazer da dor. Não agüento isso. Depois vem a Esperança... Quanta coisa etérea é preciso criar para suportar. Entenda-me bem, da Arte não falo! Do amor carnal, que é o único que ainda alcanço, poderia falar, mas sei que esbarraria na convivência. Tenho medo, não. Só não gosto de antecipar.

Desculpe-me você que está lendo. Pensamento é assim mesmo. Um vai e vem sem fim. Infelizmente ainda não encontrei uma lógica de existir. Tenho lógica para muitas coisas. Não atrasar, pagar as contas, ser eleitor, contribuinte, etc. Como é fácil ser “normal”. Quero mesmo é uma lógica para a minha anormalidade. Pode rir à vontade. Um dia quase fingi que a única coisa que entendia bem de mim era ser anormal. Mas foi tão fugidio que perdi essa linha de entendimento. Às vezes essa linha me vem e vou tecendo, tecendo e quase no nó final, aparece uma gata e corre com o novelo. Um dia eu vi essa gata! Bichana maldita. Desculpe: bendita!

Pense bem? Não tem um único bicho humano nesse mundo que não viva de instabilidade emocional. Altos e baixos, idas e vindas. Risos e choros. Daí vem a dialética e tudo mais. Não ligo a mínima para isso. Dentro de mim é que quero algo para sempre. Um amigo sempre me fala do Raul: “é chato chegar a um objetivo num instante...” Raul e Raul, isso é com ele. Quero mesmo é o meu. Mas qual?

De tudo quanto já procurei só me rendi de certa forma a entender que existem vidas antes dessa. Nada e nada mesmo que já sondei parece ter uma coerência como essa reencarnação tem para mim. Seria um dom magnífico virar de lado e dizer: “assume aí, meu amigo. Vou respirar um pouco e já volto!”. A história é outra...

O fato é que volto novamente para dentro da mente. Eu e eu, ninguém vigia, ninguém atinge e, nessa bagunça toda cotidiana, ainda arrisco em chamar isso de liberdade última. Um dia ainda vou aprender fluxo de consciência, porque ainda estou aqui escrevendo para alguém imaginário. Ah! Um dia escreverei para mim. Aí sim, terei medo!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Disco Colorido

Um ser gira dentro de mim
Digo um para não nomear
Tão intensas são as voltas...
Formam feixes que projetam no horizonte
O Universo devolve em cores
Em feixes diferentes
O carrossel se forma e convida
Porque a loucura colore e fascina

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Mono Logos



Um sonho acabando e a sensação de uma música tocando. A música era ruim. Toda vez que a faxineira vai ela mexe no rádio-relógio e coloca naquelas rádios terríveis. Bati forte no danado, que silenciou. Queria ter silenciado também a mente. Não dá, o cérebro manda e ela obedece. Dias desses estava lendo sobre isso. A mente é uma abstração do cérebro... mas isso é outro papo...

Será porque nos perdemos na cama em certas manhãs? Perdemos mesmo os sentidos ou eles não se encontram. Aquele diálogo monólogo persistente. Que farei? Aonde vou? Quem me espera? Tenho fome? Quero um cigarro em jejum! Sim, quero, mas fico tonto... Onde ela está agora? Será que pensou em mim. Sou eu quem põe a mesa e faço o café. Que merda! Sim, uma prece. Falar com o EU etéreo que me entende. E começo: "Deus... aqui estou novamente..." e percebo que não estou mais. Minha cabeça já está girando o mundo, nas lembranças, nos desejos, nos afetos... às vezes sonho ser um deserói de Dostoievski. Sei que sinto isso, mas é um desejo burro de pequeno burguês.

Um pássaro canta lá fora, no seu dialeto que quase entendo. Abro as janelas e digo "olá" para o sabiá. Ele sabe e eu também. Às vezes reclamo com ele quando insiste na estrofe "trintaeoitotrintaeoito". O mundo todo está delirante, sol a pique, todo mundo mastigando, alguns fazendo amor. É o caso do sabiá e as suas cantadas infinitas, anunciando que em breve vem chuva e primavera. Ando mal de cantadas. Na verdade nunca cantei. Sou apenas a pauta. Sou feliz assim? Não faço idéia...

Quero um ensaio no chuveiro. É lá que me preparo para certas falas, atos e de como farei desenhado esse meu mundo aparente. Sou sim um artista! O problema é que o cenário nunca se realiza. Já fiz de tudo e sempre é diferente. Farei isso na hora tal. Tomo um café e desligo, mas se insistir finjo ser despretensioso. Dá tudo errado! Sempre deu. Acabo sendo eu mesmo e isso desanda de vez... (você está rindo????) eu também! Ainda é um remédio tradicional e caseiro. Vem de dentro, não se paga nada.

Novamente encontrei a moça que limpa o elevador. Ela sempre vem com aquele "meu fi, o senhor parou de falar sozinho?" Ainda não, dona. Nem sou eu quem fala, é só a boca. Ela emenda: "isso é coisa ruim, devia tratar disso. Arrumar uma mulher e casar de vez". Sempre conclui essa frase com uma gargalhada que o elevador balança... Daí eu penso nela novamente. Vivo me torturando com ela. Aquele cabelo longo, hoje deve estar com aquela bata azul, batom rosa claro e aqueles brincos gigantes que eu adoro... Tá bom! Já sei, a coisa anda ruim e estou meio fodido com isso. E daí!!! Todo mundo tem o seu querer um pouco de dor... eu não minto. Também tenho! Afinal, é o meu "mono logos". Quem é que vai adivinhar? A vida privada burguesa é tão boa!!! A gente pode com todas as porcarias humanas. Tudo começa em querer ser herói... é uma graça mesmo! Que ando pensando! A dona deve ter razão. Isso deve ser coisa ruim.

O cara da vaga ao lado da minha acaba de dar um foda-se para alguém. Daí eu construo a história na minha cabeça. Eu sei... sou um desocupado, mas tenho mania de história e imagens, também penso na trilha sonora. Se ligo o rádio e está naquelas merdas de estações que só tocam notícias, penso nos Titãs com aquela sonora: "Porrada!! Porrada!" Não sei por que penso nisso. Sou uma merdinha burguesa. Peraí!!!! Merdinha, não! Sou até legal. Todo dia essa guerra no corpo. Quem é quem? Aqui nunca rola um equilíbrio permanente. Mas como todo bom sujeito, o mocinho vence. Que vergonha!!!! Hã??? Não enche, segura a onda aí!!!!!! (esse EU que só fica no "não" é um porco maldito que não sai da lama). Retomo a caneta dele...

Dei play e vou de Wonderful Tonight. Adoro me lembrar dos beijos. Acho que é o maior presente de todos. Ninguém ganhou um Nobel por isso. O sujeito que inventou o beijo era um genial homem da idade das pedras. Tenho certeza que esse homo sapiens já sabia falar. Beijo é algo elaborado demais e é preciso contar a alguém. Não tem jeito. Tudo acaba em beijo, para o bem ou para o mal. Bom dia, minha linda! Beijo e desejo bom trabalho...

Amanhã, continuamos esse papo. Sinto que cresço nessa multiplicidade. Não sei aonde vou, mas é bom ir e também voltar. Um drink comigo sozinho é tão profícuo. O que? Sei lá, entende... Hermeticamente.

J.H.R

terça-feira, 5 de julho de 2011

Quase

Um ponto de luz raiando no fim
Ela pensa...
O horizonte acorda e se separa do mar
Eu entendo...
Por cima tudo espelhado e fingindo paz
Ela percebe...
Nos altos e baixos de ondas a ferocidade
Afogo-me...
No mastro, a antiguidade zelada de gaivotas
Ela desespera e pede socorro
Lá embaixo, no escuro.. trilha sonora de baleias
Eu... um blues do mar!...
Agora, braços dados, cabeça no chão...areias...
Cinema de estrelas... uma pisca.
Ela responde...
O branco frita em sal, espraiando
Puxo a rede...
O amor?
Ela e eu?
Na maresia... nos objetos... na ferrugem
No para sempre... que vem!

J.H.R

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Hoje
Sem querer
Toquei o inexpressivo
E foi com uma batida de coração...

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Eu da coisa do Eu

Sou uma coisa
Sem garra
Sem ventosa
Sem presa

Sou a coisa
Com gênero
Com efeito
Efêmero

Sou como coisa
Passiva
Estável
Redimida

Sou descendente da coisa
Que sabe de si
Que espera de mim
A coisa em si

Da coisa que sou substantivo
Sem nome
Próprio ou coletivo
Achado ou perdido

Sou a coisa desejada das coisas
Coisa adjetivo
objeto coisa
Coisa objetivo

Sou a coisa química
Atirada e suprida
Animada e tímida
Coisa anímica

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Miragem

Pego no ar
Tua essência
E sopro
Na secura da planície
E chove
Pisco
Lubrifico
E vejo
Oásis

J.H.R

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Pairando sobre...

O Homem é uma corda distendida entre o animal e o super-homem: uma corda sobre o abismo; travessia perigosa, temerário caminhar, perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar”.

Lembro-me bem desse aforismo em Zaratustra. Lembro-me também de um outro que é impactante, quando pensamos aonde queremos chegar. "Quanto mais alto mais perto do raio".

Acho que é isso que te agonia e a mim também. Sentimos como se não encontrássemos a linguagem apropriada, no meio de tanto burburinho.

A corda é diferente da ponte. Embora algo esteja nos ameaçando por debaixo. Acho que estou na ponte dando as mãos e não encontrando nada do outro lado. Se os pensamentos são pálidos? Absurdamente sem sentido!

Muito já foi dito que fomos colocados aqui de maneira inversa. A cada dia penso na hipótese de chegarmos velhinhos e ir rejuvenescendo aos poucos, como o Chaplin dizia, que a morte seria um orgasmo.

O meu processo é um pouco pela procura de uma felicidade e paz comigo mesmo. O desejo de me encontrar com o outro (na ponte ou na corda), no sentido do encontro entre inteiros. Infelizmente ainda não se serei capaz ou se desejo mesmo. No fundo, eu temo o raio! Temo?

É assim que sinto e entendo o nu. Mas você sabe e não se veste.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Nem sei se sei...

Viver é a maior prática da teoria do acabamento. Pega-se, experimenta-se. Sendo você mesmo a proposta, o alvo, a comprovação laboratorial, porém impossível de repeti-la. Nada mais Absurdo!

Enquanto há tempo, te dou as mãos.

J.H.R

sábado, 7 de maio de 2011

Entendendo nada...

Foi preciso me render a essa afinação de tons que faço nos olhos.
As cordas ainda vibram e bagunçam a minha visão.
Tem sido difícil manter-me sustenido.
Se me quer em tom menor,
Cante um blues para mim
Que os olhos já estão marejando...

J.H.R

domingo, 24 de abril de 2011

Eu chego lá???

Eu quero me render às palavras. Entender que não alcanço o vácuo. Meu lugar inominável. Ausente, etéreo e perfeito. Perfeito apenas porque não é pronunciável. Conjugar é o meu forte. Força é defesa. Eu queria uma segunda chance com as palavras. Dar a elas o meu melhor. Mas elas são vaidosas e orgulhosas. A sua singularidade não existe e isso me perturba. A árvore dói! Eu quero a árvore em telepatia. É como música. Os instrumentos me falam diretamente. À melodia já me rendi. Faz o que quer em mim.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Diante dos olhos...

Eu queria compreender o cálculo estrutural da personalidade. Qual é o erro da equação que provoca a doença. Nada de científico, apenas mexer ali nos componentes dos afetos, desejos, traumas e perdas, força e poder. Mas para isso ainda quero o sujeito em movimento, com tudo isso sacudindo, visivelmente para mim, entendendo porque dá em Pisa e porque dá em Eilffel.


J.H.R

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Leve...

Um miligrama de alma que lhe sirvo honestamente, em forma de presente, para lhe erguer a uma altura que só você verá. A sua tatuagem de mim em ti - nosso filigrana.


J.H.R

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Não vejo...

Liquida-se um olhar obscurecido pela clareza de ver e desfocado de época. Pagando-se quase nada, leva-se também um par de olhos negros e turvos. O receptáculo transformador das imagens em palavras, por apresentar defeito, não acompanha a promoção. Recomenda-se não utilizá-lo na iluminação de nada e de coisa alguma. É apropriado para momentos de reclusão e para leituras em interiores - vivos ou mortos. É contra-indicado para seres muito felizes.


J.H.R

domingo, 27 de março de 2011

Para além de...


Tem um sentimento, depois do Amor, que se expressa em silêncio porque é mudo, do qual estarei envolto, para além da verdade, do sonho e desejo.

J.H.R




Foto: Joviano Alves

terça-feira, 22 de março de 2011

Na Infância...

Esse moleque aí na foto, no centro, sem dentes, é um tal José Humberto.

Nessa época entrávamos na escola aos sete anos. Muitas vezes sem ter passado por qualquer outra experiência parecida. Aos sete anos não sabíamos ler e nem escrever. Parece incrível pensar isso nos dias de hoje. Éramos tão inocentes e infantis que uma criança atualmente poderia nos parecer um adulto. Tínhamos muito pouco acesso à informação, a TV praticamente ficava o dia todo sem programas, quando muito um punhado de enlatados que hoje as crianças jamais perderiam tempo assistindo. À noite, nossos pais não nos deixavam à frente da TV. Invariavelmente às nove ou antes já estávamos dormindo.

Pensar e falar em coisas como sexo, violência, pedofilia e outras parece-me absurdo pensar nisso agora.

Pois bem, lá pelo ano em que essa foto foi tirada vivíamos em Brasília algumas epidemias, com várias campanhas de vacinação em massa. Afinal, em Brasília só tínhamos canteiros de obra e muita poeira, andarilhos, ciganos e trabalhadores da construção civil.

Então, certo dia, nessa mesma sala de aula da foto, estamos lá calmos e tranquilos com a nossa professorinha. Bateram à porta. Ao ser aberta, vem um recado da diretora da escola. Façam fila com as crianças pois elas vão tomar vacina.

Virei para o meu amigo e disse:

- Será que vacina é uma merenda boa?

- Sei não, nunca tomei, disse-me ele.

Fomos para a fila. Isso tudo mundo sabe. Os menores na frente e os maiores no final. Fila de meninos e meninas. Cada turma que se aprontava primeiro ia ficando na frente e as demais no final. Isso ocupou quase o pátio todo da escola.

Algo me deixou um pouco apreensivo. Porque a fila estava indo em direção à sala da diretora? Era a direção oposta à cantina. Comentei com o meu amigo e ele também estranhou.

Esse tal amigo, chamado Marco Aurélio, era o capeta em pessoa. Hoje em dia dariam o seguinte diagnóstico para ele: precoce, déficit de atenção, hiperativo, e não sei lá mais o quê.

O fato é que a fila andava muito lentamente, o que não era comum nos dias de merenda especial. As merendas comuns eram entregues na própria sala de aula. Fazíamos fila somente em casos raros. Devia ser algum método de socialização dos capetinhas.

Quando começamos a ficar bem próximos à sala da diretora, o dito Marco Aurélio deu um jeito de sair de fininho da fila e espiar o que ocorria na sala. Daí ouvimos um grito: "socorro! Socorro! Isso não é merenda coisa nenhuma!!!! Tem um cara lá que dá um tiro no braço e bate com o martelo na cabeça da gente!!!" Isso porque ele havia visto uma menina desmaiando ao tomar a vacina. Aquilo foi uma confusão dos infernos. A molecada abriu o berreiro, meninas desmaiando ecriança correndo para todos os lados. Fui encontrado entalado em um basculante do banheiro.

No outro dia, todo mundo meio amuado, febril e com o braço inchado.

Aquele mundo era tão pequeno, mas como éramos sinceros!!!

J.H.R

sexta-feira, 18 de março de 2011

Delirium Tremens

Era um monólogo. Ela passeava pelos temas mais diversos, dando um enfoque no que havia de mais misterioso no amor, algo que ela traduzia em suas leituras poéticas e em seu piano, que exercitava nas noites em que eu estava presente. Era interessante permanecer por ali, horas e horas, em silêncio, até que me pego hipnotizado por sua boca.

Fiz um esforço absurdo para me desviar e pensar em algo diferente, mas via aqueles lábios em movimento, aquele abre e fecha, o som, a cor e também aquele movimento horizontalizado de um sorriso disfarçado. Passei a ouvi-la numa espécie de som reverberizado e com eco suave. Havia uma mixagem em minha mente. Era intenso o prazer ao ouvi-la dizer: "é uma ponte que nos liga em amizade ao movimento artístico, onde a poesia nos traduz em seu silêncio, que nos desenha um futuro de proximidade e fartura". Como isso era apaixonante! Por que isso? Éramos tão distantes! Para ela a minha figura era de mais um homem absurdo trivial.

Confesso! Não havia tomado sequer uma gotinha de álcool. Agora ela passava para o piano e iniciou um tema de blade runner, que eu tanto gostava, só para provocar o replicante que havia me tornado. Aquilo era um domínio... um demônio... eu desejava aquela escravização. Fechei os olhos para melhor perceber aquele som mas fui guiado para o interior do piano. Fiquei balançando naqueles martelos, batendo suavemente as notas que me vinham assim: bom, bem, lua, tua... Tua?????

Vendo meus olhos vidrados, disse-me algo assustador: "A mágica do olho, não a do olho-mágico, é a amplitude que se dá ao se transformar em verbo olhar. Esse olho carnal humano, frontal, é mais espetacular no que ele transforma de objeto-imagem em imagem-reflexiva. No seu caso, afetiva. Esta última, provavelmente, já não seja mais uma função do olho em si, porém atesta, confirma ou desvirtua, dando significado cognitivo à imagem. Muito me chama a atenção aquilo que o olho vê e não vemos. Ter um insigth de algo de maneira inesperada, com a imagem que se recorda e não se explica, como se alguém refletisse em nós aquilo que vê, além do controle que exercemos? Em todo caso...

Meu Deus!!! É uma feiticeira. Por quais caminhos ainda quer me levar? Pode-se escravizar um corpo mas uma mente já é demais. Vou-me embora. Já passa da hora. Beijo. Até amanhã.

Abro o olho quase agora e me recordo dela. Delirium Tremens.

J.H.R

quarta-feira, 16 de março de 2011

Às vezes é melhor só pensar...

Quando atender ao telefone já será tarde. Tudo bem que esteja aí se vingando nos braços de outro. Coisa mais doce e saudável que é um amor acabar. Você bem sabe que não lamento nada, mas estava ligando para tirar algumas dúvidas. Será que fiz isso ou aquilo mesmo? E você, realmente fez tudo aquilo? Às vezes ia dormir com a impressão que vinha de uma guerra, de uma necessidade de um vencer o outro. Sempre achei que era uma espécie de problema a ser resolvido. Realmente a metáfora do cabide e do cabideiro se aplica ao nosso caso, não existe cabide dependurado no ar e vice-versa. Essa é que é a real simbiose, uma total dependência emocional que indica a morte próxima. Morre-se minguando... Será verdade mesmo que a gente se acostuma inclusive com o que é ruim? São os mistérios que envolvem a memória e o controle do prazer. Disse acima que não lamentava nada, abro agora uma exceção: ver as músicas maculadas dessas lembranças. Músicas, desculpe-me por esse meu lado sinestésico. Pensando melhor, obrigado por não atender. Nunca sei o que dizer...

J.H.R

sábado, 12 de março de 2011

Carta virtual para a amiga Nancy e a sua resposta...

Brasília/São Paulo ou no meio do caminho. 12 de março de 2011.

Minha querida amiga Nancy,

Por mais uma vez estou em uma cena real provocada pelo sono. Caminho por ruas escuras em busca de um local onde seria ministrada uma palestra. Tão importante que somente uma pessoa poderia falar e somente uma a ouvir. Ao entrar por aquele galpão amplamente iluminado, de luz desconhecida, me deparo contigo em um púlpito. Abaixo apenas uma cadeira, a qual me sento. Ao sentar-me me vem à mente a palavra: réu!

Sem me cumprimentar, você inicia o discurso. Breve, porém direto. Acusa-me. Obriga-me. Condena-me a proferir uma palavra. Tal palavra deveria ser a tradução perfeita para um mundo sem o mal, vilão, dor, dúvida, doença, descrença, medo, angústia, loucura, ódio, pecado; com a perpetuação de uma felicidade sem altos e nem baixos por uma infinidade que a mente sequer supõe. Respirei fundo e pronunciei. Tal foi o impacto que você desmaiou. Para minha surpresa, um corpo etéreo levitou dentro do seu corpo original, segurou em minha mão e disse: criança.

Estou aqui por horas e horas fazendo o possível e o impossível para lembrar-me a palavra que foi dita por mim, mas acredito que só você poderá desvendá-la.

Assim, nesse minuto que estou em vigília, te convido para um novo encontro. Sim! Lá! Você bem sabe. Use a capa que quiser usar, pois sei que virá novamente de dentro de si. Estarei lá para lhe dar a mão. Continuo. Réu!

Fraternalmente, do seu amigo JH.

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Lugares e não lugares ou no meio do caminho. 12 de março de 2011.

Querido amigo, poetapensador JH

Teu sonho é a reinvenção de todas as tuas películas, do que tece tua alma.

Existe a leitura além do compreender-te nesse cenário, existe a palavra libertária.

A palavra que esgota o ‘’demasiadamente humano’’ que ocupa um corpo.

Porque o verbo te consome muito mais que o tempo da ação verbal, muito mais que todas as propostas da vida, o verbo te devora, mas a palavra é intrínseca.

Embora não caiba no pensamento, a palavra é tangível.

Essa fustigante busca ao ‘’inominável’’ já me rendeu noites de insônia...

Essa palavra que abre todas as outras palavras e revela-te um caminhar mais fulgente encerrando tuas vigílias, escapa-me a todo instante pelos poros por onde respira-se a poesia contida nos teus aforismos.

E bem sabes que logo ali na frente sou eu quem permaneço imóvel e réu.

Assim sendo, toda sentença que eu proferir, vã e filosoficamente, torna-se inópia, mísera e pálida diante dos teus anseios...

Posso por hora, apenas recomendar-te cautela nessa cobiça...

Essa palavra tão definitiva não pode ser inocentada pela beleza plástica, nem por conduzir-nos a uma plácida encenação de paz.

Essa palavra inteira que supre toda a felicidade, massacra o mistério que nos sustenta.

Ora, caro amigo foi da tua boca que ouvi tantas vezes que :

‘’O mistério só existe porque não cabe na individualidade’’.

Assim, compartilho dessa tua angústia enviando-te um placebo, um fio de letras miúdas para que possa montar em mosaicos essa tua voraz capacidade de sentir muito e compreender pouco...

Na cumplicidade de nossa amizade,

Ntakeshi.


segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

YO NO SOY YO


Soy este
que va a mi lado sin yo verlo;
que, a veces, voy a ver,
y que, a veces, olvido.
El que calla, sereno, cuando hablo,
el que perdona, dulce, cuando odio,
el que pasea por donde no estoy,
el que quedará en pié cuando yo muera.

Juan Ramón Jiménez

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Silêncio

É tão vasto o silêncio da noite na montanha. É tão despovoado. Tenta-se em vão trabalhar para não ouvi-lo, pensar depressa para disfarçá-lo. Ou inventar um programa, frágil ponto que mal nos liga ao subitamente improvável dia de amanhã. Como ultrapassar essa paz que nos espreita. Silêncio tão grande que o desespero tem pudor. Montanhas tão altas que o desespero tem pudor. Os ouvidos se afiam, a cabeça se inclina, o corpo todo escuta: nenhum rumor. Nenhum galo. Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio. Desse silêncio sem lembranças de palavras. Se és morte, como te alcançar. É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas insone; e sem fantasmas. É terrível - sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e diga alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa. Se ao menos houvesse o vento. Vento é ira, ira é a vida. Ou neve. Que é muda mas deixa rastro - tudo embranquece, as crianças riem, os passos rangem e marcam. Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas. Não se pode falar do silêncio como se fala da neve. Não se pode dizer a ninguém como se diria da neve: sentiu o silêncio desta noite? Quem ouviu não diz. A noite desce com suas pequenas alegrias de quem acende lâmpadas com o cansaço que tanto justifica o dia. As crianças de Berna adormecem, fecham-se as últimas portas. As ruas brilham nas pedras do chão e brilham já vazias. E afinal apagam-se as luzes as mais distantes. Mas este primeiro silêncio ainda não é o silêncio. Que se espere, pois as folhas das árvores ainda se ajeitarão melhor, algum passo tardio talvez se ouça com esperança pelas escadas. Mas há um momento em que do corpo descansado se ergue o espírito atento, e da terra a lua alta. Então ele, o silêncio, aparece. O coração bate ao reconhecê-lo. Pode-se depressa pensar no dia que passou. Ou nos amigos que passaram e para sempre se perderam. Mas é inútil esquivar-se: há o silêncio. Mesmo o sofrimento pior, o da amizade perdida, é apenas fuga. Pois se no começo o silêncio parece aguardar uma resposta - como ardemos por ser chamados a responder - cedo se descobre que de ti ele nada exige, talvez apenas o teu silêncio. Quantas horas se perdem na escuridão supondo que o silêncio te julga - como esperamos em vão por ser julgados pelo Deus. Surgem as justificações, trágicas justificações forjadas, humildes desculpas até a indignidade. Tão suave é para o ser humano enfim mostrar sua indignidadee ser perdoado com a justificativa de que se é um ser humano humilhado de nascença. Até que se descobre - nem a sua indignidade ele quer. Ele é o silêncio. Pode-se tentar enganá-lo também. Deixa-se como por acaso o livro de cabeceira cair no chão. Mas, horror - o livro cai dentro do silêncio e se perde na muda e parada voragem deste. E se um pássaro enlouquecido cantasse? Esperança inútil. O canto apenas atravessaria como uma leve flauta o silêncio. Então, se há coragem, não se luta mais. Entra-se nele, vai-se com ele, nós os únicos fantasmas de uma noite em Berna. Que se entre. Que não se espere o resto da escuridão diante dele, só ele próprio. Será como se estivéssemos num navio tão descomunalmente enorme que ignorássemos estar num navio. E este singrasse tão largamente que ignorássemos estar indo. Mais do que isso um homem não pode. Viver na orla da morte e das estrelas é vibração mais tensa do que as veias podem suportar. Não há sequer um filho de astro e de mulher como intermediário piedoso. O coração tem que se apresentar diante do nada sozinho e sozinho bater alto nas trevas. Só se sente nos ouvidos o próprio coração. Quando este se apresenta todo nu, nem é comunicação, é submissão. Pois nós não fomos feitos senão para o pequeno silêncio. Se não há coragem, que não se entre. Que se espere o resto da escuridão diante do silêncio, só os pés molhados pela espuma de algo que se espraia de dentro de nós. Que se espere. Um insolúvel pelo outro. Um ao lado do outro, duas coisas que não se vêem na escuridão. Que se espere. Não o fim do silêncio mas o auxílio bendito de um terceiro elemento, a luz da aurora. Depois nunca mais se esquece. Inútil até fugir para outra cidade. Pois quando menos se espera pode-se reconhecê-lo - de repente. Ao atravessar a rua no meio das buzinas dos carros. Entre uma gargalhada fantasmagórica e outra. Depois de uma palavra dita. Às vezes no próprio coração da palavra. Os ouvidos se assombram, o olhar se esgazeia - ei-lo. E dessa vez ele é fantasma. (Clarice Lispector)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

No avião tem um corpo voando dentro do voo;
No trem tem coisas correndo velozes nos olhos;
Nos olhos tem uma lágrima boiando e batendo nas margens;
Nas margens marcas de unhas no seco;
No seco, meu deserto...

J.H.R

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Quem já não parou um dia e se disse: "cansei de ser quem eu sou"? É preciso mudar! Quem dera que a reconstrução ou reforma necessitassem apenas de pregos, martelos e serrotes. O pior é quando, nas relações amorosas, queremos no outro aquela peça que melhor se encaixa em nosso quebra-cabeça.

Na noite passada tive um sonho. Vi um vulto passando do corredor para a copa. Como sempre aquilo me gelou. Apesar do medo, uma força me empurrava para ir lá descobrir. Nesses poucos passos o pensamento que me dominava era o de acuar o invasor e não acolhê-lo. Ao dobrar do corredor para a copa, estava lá no canto um corpo adulto, de pé e sem rosto.

J.H.R

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Toda a sanidade é a abstinência de respostas.

J.H.R

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Raro
Rola
Rala
Um "sei"
Na sombra do Eu
Que já vai...
No ralo
Bêbado
Virando "N'Eu"

J.H.R

domingo, 23 de janeiro de 2011

HOMEM SOLITÁRIO ABSURDO.

Por favor, não quero incomodá-lo. Apenas fiquei te observando. Mais uma vez te vi nos poucos lugares que ainda é visto, feliz ou infelizmente é uma livraria em um shopping elegante e moderno. Lá vinha você, pensativo como sempre, naquelas alamedas estonteantes quando se depara com uma fila indiana imensa. Tratava-se de crianças carentes passeando naquele mundo de fantasia. Elas vinham cercadas por “monitores” na frente, no final e por todos os lados. Vi que passou bem perto e reparou aqueles olhares esbugalhados, como que drogados. Sim! Só alguém absurdo poderia imaginar o que imaginou: eles estão concentrados. Lembra daquelas cenas reais dos campos de concentração? Isso mesmo! Aqui nessa cidade não existe favela, apenas periferia. Eles se concentram lá! Já o haviam avisado para ficar longe da verdade, mas algo sempre esteve em você que a “verdade” se apaixona. Sabe qual é a verdade de um homem solitário absurdo? Não queira saber. É um diálogo frequente na cabeça, um amontoado de perguntas e respostas. Imagina-se de tudo. Parece uma preparação para algo que vai vir inesperadamente. Alguém, um ato, uma cena, uma pergunta... já imaginou um Raskólnikov passeando por um shopping? Que espécie de castigo é esse que se impõe? Estar apartado do mundo? Necessidade de clareza e honestidade? Necessidade de racionalizar tudo? Não se sabe ao certo, mas ele acredita que as mulheres são aptas a dar uma opinião. A sensibilidade ajuda. Inesperadamente conheceu uma dessas mulheres. As mulheres carregam sempre consigo uma proposta. Por ser um homem tímido e míope, faz sempre as piores leituras. São piores porque são puras. Os heróis solitários são puros essencialmente. Mas essa foi um pouco diferente, quis educá-lo em suas palavras. Disse-lhe para que “deixasse de ser esse filho da puta de santinho. Que não existe coisa pior e mais nojenta que um homem de bem. Essa coisa de misericórdia, de olhar puro diante do lixo e, principalmente, com um discurso quase impossível de ser superado. Mulheres gostam de cafajestes, trapaceiros, que apimentam a vida e colorem o mundo com suas nuances de banditismo” (Ahh essa doce mulher! Ela fica tão linda de rabo de cavalo e sua farda miliciana!). É preciso jurar! Aprender!. O homem solitário absurdo é, por conceito, um filósofo. Nem ele sabe o porquê e para quê. É por isso que ele é um párea. Talvez isso tenha ficado mais claro ao ler um daqueles emails que todos já leram, onde se diz que uma estudante interpretou Camões dizendo para ele largar de babaquice e arrumar uma mulher e fazer muito sexo. Como é que foi preciso uma criança para ligar a luz para a transvaloração moderna? Voltando a Raskólnikov: o mundo é extraordinário! Como já foi jurado acima, continua se prometendo, o homem absurdo, que será parte da imbecilidade. Vai crer na mídia, nos padres, nos pastores, na moda e no mercado. Afinal, talvez tenha chegado mesmo o momento de esvaziar a taça e encher o pote. O pote de personalidades variáveis, pois a cada dia todos matam seus personagens no final da noite, com ou sem choro. Assim fará suas preces, para que tenha criatividade para manter-se vivo. Afinal ser "um" todos os dias não é fácil.

J.H.R