quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Visceral

Sabe-se lá o que é acordar com um “extra! Extra! Extra!: Vive-se!?" Não sei, vivi. O jornaleiro estava aqui, dentro, morador, imperceptível. Anunciava quase uma ordem, ao ponto dos olhos se abrirem, amargamente, diante de uma cena infinitamente vivida: o quarto, a cama, os quadros, os livros e os santos na cabeceira.

Era preciso movimentar. Apesar de tudo repetir: o forte! Soava vazio e impróprio. Mas não deixava de ser um preenchimento bloqueador de tantos pensamentos e recordações que insistiam em voltar repentinamente, fazendo do viver aquele amontoado de cenas de um passado inexpressivo, com dores e fugas.

Mais uma vez acendia a chama, água e açúcar no bule, pois sem café e um cigarro a vida não continua. Acendia também um incenso, pedindo que todo aquele pauzinho perfumado trouxesse tudo que é abençoado para perto, sensível, sentido. Daí, como de costume, coloquei música para falar comigo. Vinha o meu xará gritando por mato mato e mato, naquele seu Amor de Índio. Foi preciso correr para pular de música. Algo ancestral me persegue, solicitando o nu, água, floresta e aquele cheiro forte de bicho... Ai!! aquele escritório, computadores e “bom-dia!”...

Na hora do batismo do banho, rezei. Deus, dê-me a simplicidade da vida que se vive apenas. Do corpo envelhecendo naturalmente, para que o próximo venha, venha e venha.. Nada de valores, pensões, bolsas e o falar absurdo.

Tomei o elevador e encontrei com Bia. Naqueles seus dois anos de idade. Um falar puro e me olhando nos olhos, como a me lembrar do jornaleiro. Ela me disse: “estou feia hoje porque estou sem brinco.” Era preciso estar elegante para carregar os seus baldinhos e pazinhas para a areia. Ah o futuro! Futuro! Pensou a minha cabeça velha e ranzinza, e levou bronca. Nem sei quem foi que brigou e quem levou bronca. Insano.

Pena o trabalho ser tão perto. Vinha aquele som de reggea gostoso, com aquela marcação de guitarra, uma voz convidando “vamos fugir, para outro lugar, baby, vamos fugir...” Admiravelmente, desviei do caminho e deixei algo me dirigir. A mente sem dono, com todos personagens, fotos, amores, livros, romances, tudo mediado e imediato num devir. “Conheça a ti mesmo”; “torna-te o que tu és”. Esses filósofos em meio a uma enxaqueca!

O telefone toca. Sim, estou atrasado. Já vou! Toca novamente. “Lembre-se, hoje é dia. É preciso comprar isso e aquilo.” Em breve vão inventar implante de celular. É muito preciso, justo, necessário. Enfim, cheguei ao trabalho. Dei um “oi” com os olhos e comecei a ganhar a fração daquele dia que morei, dormi e comi. Aos poucos o jornaleiro foi encerrando a sua edição. Tive uma notícia extra. Hoje faríamos hora-extra.

J.H.R

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