terça-feira, 9 de novembro de 2010

Acredite no Destino

Oito da manhã. De frente ao espelho desembolando um nó de gravata. Reunião às nove. Estou cantarolando “vai trabalhar vagabundo, vai trabalhar criatura... Deus permite a todo mundo uma loucura...”. Minha irmã me liga.

- Vou levar a mãe ao médico. Lembra daquela consulta importante?

- Claro! E daí?

- Daí que hoje eu tinha de passar na advogada e pegar a petição com a revisão da partilha de bens.

- Sem problemas. Vai outro dia, outra hora.

- Não! A advogada vai dar entrada hoje. Venceu o prazo. Você precisa passar lá agora.

- Mas não vou mesmo! Tenho reunião às nove.

- Vai rapidinho. Dá tempo.

- Cada uma! Por que a advogada não resolveu isso antes? Passa-me o endereço.

- A revisão é simples, coisa à-toa, mas é importante homologar.

Passou-me o endereço. Ainda falei baixinho sobre a advogada: “vaca!!!” Folgada!!!

Dirigi-me para o bairro da senhora advogada. Eu não a conhecia e imaginei ser aquelas chatas e autoritárias.

Toquei o interfone. Apareceu uma mocinha. Pediu-me para entrar e aguardar. Ao entrar na sala, sentei-me e fiquei surpreso com a decoração. Tinha um ar leve, ainda em meia-luz, cortinas brancas, soltas e leves. Tapetes discretos mas aconchegantes. Quadros belíssimos. Aquele ambiente tinha um cheiro tão gostoso e ao mesmo tempo calmante. Tive a sensação de que tudo aquilo era para ser comido! Vê se pode. Sempre tenho um estranhamento quando sinto isso.

- Bom dia! Disse-me alguém. Procurei e vi, atrás de uma parede, um rosto lindo, uma boca carnuda, cabelos compridos e meio bagunçados. Como estava meio de lado, escondendo o corpo, vi o ombro esquerdo pouco bronzeado, com uma alça de alguma roupa caindo até ao meio do braço. Olhando bem percebi que a metade do seio estava totalmente para fora. Assim, cheio, arredondado e chamativo.

- Bo.. bo... bom dia! - pensei: que coisa! Por acaso agora sou gago! Não imaginava que era essa a tal advogada. Ela não é uma vaca..é sim, não é...é sim.. folgada! Fogosa!! chega: não é e pronto!

- Desculpe-me. Não sabia que vinha tão cedo. Ainda estou de camisola, tomando o meu café.

- Não se preocupe. Dê-me o documento, vejo as recomendações da minha irmã e vou para o trabalho.

- Houve um imprevisto. Ontem, ao sair do escritório, esqueci de colocar a petição na pasta. Vou ligar agora para o mensageiro trazer. O motoboy voa e logo estará aqui. Ligou.

Eu estava paralisado com aquela imagem. E a minha reunião? Vão comer o meu fígado. E aqueles seios? Aquela boca carnuda! Aquele conjunto.. Minha mente estava bagunçada. Engoli não sei o quê. Ela percebeu.

- Quer um suco? Enquanto espera.

- Sim. Por favor.

- Passe para cá.

Quando fui levantar fiquei frio, pois já havia um volume em minha calça. Foi inevitável.

- Vem – disse-me.

- Claro!

Levantei-me já com a mão esquerda no bolso, caminhei, contornei por aquela parede onde ela se escondia. Era uma copa ampla, uma mesa para oito lugares. Na lateral havia uma porta enorme, de vidro, um pouco aberta, que dava para uma varanda, com cadeiras modernas, que pareciam confortáveis. Não pude deixar de notar o belo jardim, com uma piscina ao fundo.

De repente, me sai a advogada com uma jarra de suco na mão. Era alta, cabelos caindo para frente, perto dos seios, com aquela camisola longa, marcando um corpo esguio. Gostosa. Aquele tecido da camisola, ao mesmo tempo que marcava, também se movimentava, dando uma sensação de desejo de toque. Toque? Sim. Parecia um violoncelo, mais afinado. Eu dava um Sol sem Dó. O que é isso? O que estou pensando? Música, sol, afinação... tocar. Eu estava sem controle. Odeio quando isso acontece. Não consigo ter um pensamento linear, para um diálogo simples e direto.

- Sente-se. Desculpe-me ficar assim de camisola, mas abusei do sol nesse fim de semana, principalmente ontem. Estou que nem consigo me vestir direito.

- Não se preocupe. Servi-me de suco. Foi nesse momento que percebi que aquele cheiro agradável que senti ao entrar era do violoncelo. Quero dizer, da Dra. Katia. Katia Slonska.

- Ando trabalhando muito. Nesse fim de semana, resolvi parar tudo e tomar um sol. Além de estar me sentido muito branca, isso me ajudaria para uma melhor saúde.

- Isso é preciso. Precisamos renovar as energias com sol e caminhar descalço na grama ou na terra.

Eu estava parecendo um aparelho captador de sinestesia. Aquilo tudo, misturado, desejável estava me perturbando. “Ó formas alvas!”. Nessas horas e eu aqui lembrando de poeta.

A Katia terminou o seu café, passou por mim, abriu um pouco mais a porta da varanda e sentou-se. Encolheu uma perna, pisando com o pé esquerdo na cadeira. Pegou a barra da camisola e recolheu para o meio das pernas. Da posição que me encontrava, pude vê-la de lado. Metade das coxas descobertas, firmes, roliças. Uma pequena tatuagem na lateral, na altura da panturrilha. Dessa posição é que pude notar com mais precisão o volume dos seios, querendo pular para fora do pano. Agora é que não posso mais sair dessa cadeira. Imaginar aquele corpo, os beijos, minhas mãos passeando por ali sem pressa... meu corpo respondeu ao desejo.

Acendeu um cigarro. Levantou levemente a cabeça e direcionou a fumaça para cima. Que quadro impressionante! Puxou uma cadeira, que dava de frente para ela e disse-me: “senta aqui”. Levantei e fui. Acho que ela pensou que eu tinha a mão presa no bolso.

Encostei-me no portal da varanda. Seria complicado ficar sentado assim logo de frente. Meio encostado, com o ombro direito, mão esquerda no bolso, fiquei ali contemplando aquilo tudo. Pensei no destino. Pensei na reunião. Pensei no “eu digo sim”, no Amor-fati. A vida é sempre um presente. Será? Bem, não posso ir embora e dar essa impressão que sou assim bagunçado das idéias, perdido em sensações complicadas, misturando música, boca, violoncelo.. etc. Na verdade, isso se passava apenas na minha mente. Ainda não tinha dito nada. Como é que ela poderia pensar isso ao meu respeito?

Foi aí que me compliquei. Ouvi um barulho forte, de passadas rápidas. Quando menos esperei, um mastin napolitano enorme colocou as patas sujas em meu peito e lambeu a minha boca, com aquela baba toda. Além de babado, estava com o paletó e gravata sujos de terra vermelha. O pior é que o maldito ficou assim me namorando. Suavemente ela disse: “Thor, venha aqui”. Ele foi e se deitou ao lado dela.

- Ele gostou de você. Incrível. Ele só faz isso com as pessoas de casa. Essa lambida na boca é o dizer dele: “somos da mesma matilha”.

- Katia, somos da mesma matilha?

- Como é?

- Desculpa...- vermelho -... Você gosta de mato??.. gosta de ilha????

- Você está bem? Olhava-me da cintura para baixo, reparando o volume...

- Sim, estou. Bem, não estou. Essa minha roupa..

Levantou-se. Disse que cuidaria disso. Foi lá dentro, voltou com um pano e um produto. Achei que fosse me entregar. Ficando bem perto de mim, molhou o pano e foi limpando minha gravata e o paletó. Podia sentir a respiração dela. Que perfume é esse meu Deus!!!! Levantou os olhos, me olhou fortemente, a uma distância de uns quatro dedos. Minha boca encheu d'água. Virou-se e saiu.

Como pude fazer isso??? Jamais terei outra oportunidade. Agora ela estava novamente na varanda. Nessa hora não lembrava nem mais o meu nome, o que dirá da reunião, do carro, do cão... de nada. Só dela!

Sentei-me por ali. O mensageiro do escritório demorava e isso me agradava.

- O que tem feito pela cidade? Disse-me.

- Às vezes um cinema, um bar, teatro, um pub. Gosto muito da orquestra sinfônica.

- Jura??? Ela realmente ficou surpresa.

- Sim. Vou sempre que posso. É emocionante. Adoro as violas - só agora fui perceber que as violas tinham um chamado sexual para mim.

- Você poderia me levar um dia?

- Levo sim. É sempre nas segunda-feiras.

- Ahh não queria esperar tanto. Pode ser hoje?

- Combinado. Nos vemos lá às oito?

- Sim.

O mensageiro chegou. Li a papelada e não entendi nada. Não conseguia me concentrar. Seja o que Deus quiser.

Fui embora e ainda me lembrei de Nietzsche: “Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas: - assim me tornarei um daqueles que fazem belas as coisas”. Fui cínico? Humano. Sei? O que acha?

J.H.R

2 comentários:

  1. Hahaha... confesso que fiquei esperando outro final...
    Lendo o seu texto, lembrei do "Sala de Espera", do Fernando Veríssimo que eu encenei no curso de teatro há um tempo atrás:
    http://dabusca.blogspot.com/2007/03/sala-de-espera-luis-fernando-verssimo.html
    Sabe que li essa frase do Nietzsche hoje? Até pensei em fazer um texto sobre isso... enfim.
    Beijo!

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  2. rs.rs.rs... era essa a idéia de despertar um outro final.. que bom, deu certo.

    Escreve o texto, vai ser legal.

    Bjs

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