sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Ocaso-Acaso

Vinha correndo, atrasado, pensando em tomar o elevador o quanto antes. A uns três passos dele vinha uma executiva, mexendo muito em sua pasta, em busca de algo. Nesses movimentos deixou cair uma moeda, já muito próxima ao elevador. Ela olhou a moeda e a deixou para trás. Num movimento brusco, ele tentou pegá-la a tempo, porém – sem unhas – demorou alguns segundos. Ao se erguer pôde vê-la embarcando no elevador. Levantou a mão e gesticulou para ela. A executiva, feições de oriental, cabelos compridos e lisos, em sua saia preta e blusa cinza, pasta preta fina, liberou rapidamente sua mão direita e fez o nome da cruz. A porta se fechou.

Paralisado diante daquele gesto, fitou a moeda. Foi aí que reparou não se tratar de uma moeda tradicional. Além de muito pequena, fina, tinha um furo no meio. Pensou logo que não se tratava de algo importante.

Ao tomar o elevador, lembrou-se do gesto daquela mulher. Por que o nome da cruz? Ao chegar no escritório, foi pesquisar sobre aquela moeda. Tratava-se de um yen. Refletiu também que todos os seus amigos, orientais ou descendentes, não tinham hábitos cristãos. Então por que aquele gesto? Esqueceu.

Na manhã seguinte, ao chegar novamente ao trabalho, conversou com alguns seguranças e na recepção geral sobre a executiva oriental. Ninguém pôde lhe dar maiores informações. Não havia alguém com aquelas descrições trabalhando no prédio. Certo. Era uma visitante.

À tarde foi chamado pelo gerente geral. Acabava de ser promovido para aquele posto que vinha há anos pleiteando. Houve comemoração com os amigos em um happy hour no mesmo dia.

Surpreso foi acordar com um “alô” sensual. Tratava-se de uma incrível mulher que ele vinha há meses tentando sair para tomar um vinho e ter uma conversa casual (é o que ele dizia). Ela apenas disse: “quero te ver hoje, às nove, rua tal, número qualquer”. Ele gravou imediatamente. Terminou essa noite com uma promessa “assustadora” de amor.

Embora fosse uma pessoa céptica, tinha por hábito preencher os cupons de promoções dos hipermercados. No mês de dezembro, em virtude da proximidade do Natal, os prêmios eram consideráveis. O telefone toca e anuncia que havia sido sorteado na última rodada. Ahh!! Aquele jeep 4 x 4 simples era um sonho!!!

O fato é que sua vida se transformou. Pequenas coisas que se moviam para um objetivo positivo. Tudo se encaminhava, como se um jato de luz tivesse baixado por uma conjunção de astros.

Num dia de muito trabalho, naquela jornada de quase doze horas diárias de labuta sem sentido, lembrou-se da executiva. O nome da cruz... sim, o nome da cruz...abriu a carteira e olhou novamente a moeda. Será? Todas as coisas se encaminhando. Será um anjo?

Pensou em agradecer. Como nunca havia entrado numa igreja, por vir de uma família sem tradição religiosa, ficou pensando como faria. Por trabalhar no centro da cidade, lembrou-se da velha catedral do século XVIII. Desceu e se dirigiu ao templo. Sentou-se e reparou o quanto estava silenciosa e triste. Como não havia qualquer outro “fiel”, balbuciou algumas palavras meio sem jeito e sentido. Daí lhe veio imediatamente uma idéia: “tentar a sorte grande. Um jogo! Por que não?” Ao se levantar, ouviu um “o nome da cruz”. Virou-se rapidamente para o lado, com a pele arrepiada e constatou o que já sabia. O local estava vazio.

Chegou na avenida, avistou, do outro lado da rua, uma placa com os seguintes dizeres: “A bola da vez”. Sorriu! Deu um passo e foi estraçalhado por um ônibus.

J.H.R

4 comentários:

  1. Nossa! Mágico... mas qual seria o objetivo ou uma mensagem desse conto?

    ResponderExcluir
  2. Na verdade, preocupa-me mais o sentimento individual da leitura. O significado para cada um. Em todo caso estou falando das escolhas e dos valores. "a porta fechada" ou a "bola da vez"..

    Obrigado por vir aqui e participar. Um grande abraço.

    ResponderExcluir
  3. Oi homem pássaro! Saudades de vir aqui...
    Na verdade pensei que esse blog não existisse mais...

    Uma reflexão e tanta! É de arrepiar..
    Para mim a mensagem é clara e direta:

    - O valor atribuído à essa vida. Há uma provérbio que diz: " O que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?"


    ABRAÇO,

    Ester

    ResponderExcluir
  4. Sempre leio o que vc escreve mais nunca comentei.
    Amo tudo que vc escreve!!
    Uma das mensagens mais linda que vc escreveu... Lindo!!!!
    Núzia

    ResponderExcluir