segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Um sentido a mais?

Sabe aquele estado de êxtase que às vezes entramos? Estamos na rua, no carro, em uma reunião de trabalho e o estado vem, sem pedir licença, se instala e quer ficar. Normalmente ele vem com sentido de que já vivemos isso, aquela situação, aquele estado maior em que a mente requer algo que não faço qualquer idéia do que se trata.

Como é com você?

O que me surpreende muito é o fato de vir lembranças “inexatas” de algo que tem plástica, movimento, atitude. Envolto nisso também vem alguma coisa de textura, cheiro, gosto e um estado emocional um tanto nublado. Quase sempre um nublado é cinza.

Veja um exemplo. Haviam encomendado algumas coisas em uma confeitaria. Fui buscar a encomenda. Cheguei lá no balcão/vitrine e entreguei o pedido. Logo abaixo de mim, tinham aqueles biscoitos pequenos, que se vendem por quilo. Tem um nome francês para eles. Não me lembro. O fato é que todo mundo pára ali e mete a mão e come mesmo. A variedade é razoável. Fiz o mesmo, um pouco mais tímido, coloquei um daqueles na boca, um gosto de coco ralado, misturado com um sabor meio de leite e manteiga. De fato é bom, com café então, nem se fala. Ao sentir o gosto, o estado de êxtase me veio. Era uma senhora com cabelos presos, com uma bola daquelas que as mulheres fazem mais ou menos no alto da cabeça. Acho que se chama coque. Um rosto redondo com um olhar macio e familiar. Sorriu para mim, com doçura. Caminhou de um lado para o outro no local onde ela se encontrava. Sentou-se, cruzou com dificuldades as pernas, com certa elegância, embora fosse um tanto gorda. Aquilo me soou como um “vem aqui, meu filho. Sente-se. Quanto tempo? Sabia que vinha e esperei tanto por isso.” A vontade que me deu foi a de pular nesse balão de imagens, escorregar para o outro lado e lá permanecer para um café da tarde.

Acordei” com alguém me cutucando. Era a atendente querendo me entregar o pacote. Perguntou-me se estava bem. Quase respondo que estava melhor lá onde de fato eu estava.

O que é isso que nos pega? Da onde vem? Que mecanismo dispara o botão que liga o processo? Que função biológica, fisiológica e mental ele desempenha. Suponho que algo de muito bom e importante ele representa. Mais que o sonho, mais que a intuição... é uma espécie de saúde a nos guiar, nos pedindo calma, serenidade, paciência. É como um torrão de açúcar no mundo de cá.

Certa noite, antes de dormir, deito-me, respiro fundo e faço uma prece. Fico ali, de olhos abertos ou não, esperando o sono chegar. Invariavelmente, alguém dispara um projetor de slides. Lembra daqueles projetores com pequenos quadros de 2cm x 2cm, utilizados para projetar as imagens em um quadro branco? Sim, mais ou menos isso. Daí eles começam. Um índio, uma vaca, um mar, um barco, um castelo, pessoas atravessando, trabalhadores rurais. Mulheres lindas e outras não. Movimento rápido ou lento. Tão claro, tão preciso, quase tocável. Mas isso tudo parece ser regido por uma regra: se quiser fixar a imagem e analisá-la, ela foge imediatamente. Por que? Já quis tanto interagir com algumas, mas alguém ainda não me estabeleceu as regras.

Imaginei contar isso para alguém. Sobre os cheiros de queimado, as correrias de cavalo, milícias com capacetes como o dos romanos, as sensações de gruta e os desenhos rupestres, aromas diversos e não identificados.

Alguém poderia me dizer assim. Veja bem. Os olhos humanos são poderosos em captar quase tudo o que está em nossa volta. Imagens e movimentos que nem sempre damos a devida importância, mas que os olhos captaram e isso se encontra no inconsciente. Não só as imagens, mas também os sons, os gostos e cheiros. Isso tudo, possivelmente, fica catalogado em algum “achados e perdidos” num canto remoto da mente. Imagine a hipótese. Um dia vi uma senhora na rua, ou na tv ou mesmo li e imaginei essa senhora. Nesse dia, comi um biscoito com um sabor qualquer. Anos e anos depois, comi um biscoito e o senhor cérebro foi lá no “achados e perdidos” e trouxe aquela imagem. Assim, tudo vai se movimentando e desencadeando os demais sentidos associados. Parece interessante, não é? Mas duvido.

A vida inteira, desde criança, sonhei com orientais. Já tive avós por lá. Já estive convivendo com uma mulher e duas crianças pequenas. Elas falam comigo o idioma oriental, que não sei qual é, escuto aqueles sons e entendo na minha mente “de hoje” em português. Já estive naqueles mercados com todos aqueles tipos de iguarias que nós ocidentais nem de ver de longe temos apetite de comê-las. Mas lá estou integrado. Numa fase muito difícil, todos os piores problemas e tristezas estavam imperando. Ao dormir, fui parar lá. Estavam todos me esperando, com roupas escuras, compridas para um dia de muito frio. Estava em um pátio imenso, silencioso e cercado por prédios parecendo aqueles galpões de mercadorias. Fiquei parado ali, sem entender. Daqui há pouco foram chegando as pessoas. Um grupo nem muito grande e também não era pequeno. Chegavam, faziam aquele reverência com a cabeça, apertavam a minha mão e me abraçavam. Aquilo me dava uma sensação enorme de conforto e paz. Parecia uma família, que se reuniu para ir ao encontro de alguém que estava há muito tempo viajando, que chegava ali dilacerado de uma grande luta, mas sabia que era preciso ainda retornar para onde veio, porém mais forte e reconfortado. Os que se despediam de mim, se retiravam cabisbaixo e tristes. Acordei com uma sensação enorme de paz e com muita saudade.

Já li e estudei sobre o assunto em literatura kardecista. Recentemente li uma autobiografia de Jung em que ele vivia coisas parecidas. Para alguns trata-se de vidas passadas; para outros pode-se dizer que é o inconsciente coletivo, ou algo parecido. O fato é que esse processo não vem somente quando dormimos, mas também em plena atividade.

Será mais um sentido? Abstraindo para uma imagem, é como se tivéssemos uma inteligência circulando o corpo, com um energia a uma distância de meio mícron, onde temos um acesso regular, de forma que tudo o que foi vivido está ali impresso. Uma antena nos liga a isso, porém num grau diminuto e regulado, de forma a não interferir prejudicialmente nas condições atuais em que vivemos. Essa energia, possivelmente, regula com as demais pessoas, coisas, objetos, animais e com a energia que envolve tudo isso. Essa energia toda unificada será o Deus? Se tudo está interligado, envolto, transmutado, transmitido e integrado, supõe-se que quem está no controle dessa totalidade seja onipotente e onisciente.

Nós e o Deus somos um sentido? Interagimos mesmo sem querer? Será por isso que, sem desejo algum, pensamos: “o telefone vai tocar” e ele de fato toca? Se você quiser, a partir de sua vontade, interagir comigo e disparar uma comunicação qualquer, o “telefone” vai tocar aqui na minha cabeça? Acredito que sim. É só mais um sentido...

J.H.R

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